quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Nosso Blues e Nossas Bandas com Black Cat Bone

A idéia de fazer um som rural, com todas as características do verdadeiro Blues, foi posta em prática por um grupo de músicos em Brasília.

A Black Cat Bone revive os momentos de ouro do Blues, trazendo aos palcos as velhas canções e histórias vividas por eles e pelos nossos grandes mestres.

João Paulo Charleaux é quem nos conta um pouco do trabalho maravilhoso da Banda.

TB: João, conte um pouco da história da Banda.

JP: "É uma história inacabada, em andamento, porque toda vez que a gente se junta tem gente nova, tem canja, tem "causo" novo, tem instrumento novo, enfim, acho que a gente ainda não teve tempo de consolidar o que se possa chamar de uma história da banda com "H" maiúsculo. E também acho que, no fundo, é bem melhor assim. Não estamos aqui pra fazer história. Isso é bobagem. Queremos tocar o bom e velho Blues que não se encontra por aí."

TB: Como surgiu a idéia?

JP: "Eu fiz um show, sozinho, tocando violão acústico e cantando, numa casa de Brasília chamada Rayuela Bistrô. Cantei só Robert Johnson no velho estilo rural, batendo o pé no tablado, inspirado em Michael Picket e John Hammond e, entre uma música e outra, contei histórias e lendas do Blues, como sabiamente fazem os nossos maiores violeiros brasileiros, como, por exemplo, o Ivan Vilela, quando fala de sua cultura e de seu instrumento, a viola caipira de dez cordas.

Acho que a coisa pegou o público de surpresa porque a galera estava lá para ouvir uma banda de Brasília composta por gente mais antiga na cidade, com baixo, bateria, guitarra e toda aquela massa sonora, tocando aquele rock'n roll que ainda se insiste em chamar de Blues, com Stones e etc. O show desse pessoal se chamava "De Mississipi a Chicago", mas começava com Jumping Jack Flash, que é uma música feita em Londres, muitos e muitos anos depois do que se pode chamar de Mississipi Blues. Confesso que fiquei meio indignado com a forma leviana como se emprega o termo "Blues" muitas vezes na noite e, por isso, propus abrir o show no velho estilo rural. Foi um grande sucesso e o dono da casa propôs que eu fizesse isso todo sábado.

Ao mesmo tempo, o gaitista Cauê Menezes e o violonista e cantor Sames Blues desenvolviam um trabalho de muitos anos em Brasília, de puro Blues de raiz. Eu conheci essas duas figuras poucos dias depois desta história no Rayuela. A empatia foi imediata. Tocamos juntos uma noite inteira no Arte Café. Nos conhecemos naquela mesma noite, por acaso. Eu voltei em casa e trouxe os instrumentos. Tocamos até umas 2h ou 3h da manhã. Acho que eu só somei alguns detalhes a esse projeto que, na verdade, nasceu com essas duas figuras, como água mole que bate incansavelmente na pedra dura da breguice musical que normalmente campeia pelas casas noturnas.

Depois, agregamos um percussionista chamado Paulo Casamarela, que eu conheci através da esposa dele, uma Argentina chamada Sofia Hammoe, em 1999, tocando violão em Havana, Cuba, mesma ocasião em que conheci minha esposa, nessas andanças pelo mundo. Por último, veio o Baixão, que já tinha tocado várias vezes com o Sames e o Cauê. A participação dele resultou no nosso primeiro grande show de qualidade, na minha opinião. E a principal contribuição dele foi, além da excelente música, o astral."

TB: Qual a formação da Banda?

JP: "Temos o famoso Sames Blues, que canta, compõe e toca violão acústico. Ele é um cara que viveu no Mississipi e conheceu a coisa toda de perto. É o nosso farol no mar revolto. Toca Blues rural na noite há muitos anos, é um pioneiro e um batalhador. Grande voz, grave, rouca, grande interpretação.

Depois, contamos com um gaitista virtuosíssimo chamado Cauê Menezes, que também troca flauta transversal em outras formações. É um instrumentista excepcional, um pesquisador musical nato e um cara de uma personalidade consistente, grande parceiro. Ele também ajudou com a coisa do "trompente" e trouxe para o palco o famoso Diddley Bo.

A percussão é responsabilidade do Paulo Casamarela, um pernambucano super criativo, que constrói tambores de maracatu em casa, só para você ter uma idéia. Ele toca de tudo, é um especialista em ritmos, conhece muito de Brasil e é um DJ requisitado em Brasília, conhecido como DJ da Luz. Acho que o Paulo é o coração da banda. É amável, simpático, engraçado e carinhoso.

O baixista se chama Baixão porque o nome dele é complicado, eu nunca consigo lembrar. Ele foi o último a aparecer nessa nossa formação atual, mas, quando subiu no palco com a gente, estraçalhou. Toca muito, sola, acompanha muito bem, canta em coro impecavelmente e tem uma vibração simplesmente formidável.

Aí, tem eu também, que conto os causos, toco violão de madeira, violão dobro, canto em coro, faço uns solos lá, do meu jeito. Eu me sinto o menos músico de todos, mas a verdade é que o poder da nossa receita está na mistura de todos."

TB: Porque o Blues Rural ?

JP: "Porque é muito bom. É o filé do Blues, eu acho. É onde você ouve a voz com clareza, os instrumentos, os acordes, os timbres. Não tem essa correria de guitarras, uma passando em cima da outra, não tem essa massa sonora que simplesmente satura a audiência. É uma música muito sincera, muito intimista e, com os instrumentos artesanais que a gente incorpora, permite uma descontração que beira a comédia escancarada. É uma música cheia de mística, de lendas, de causos, enfim, acho que é uma música muito humana, em sintonia com o ritmo da vida simples que a gente gostaria de poder levar, mesmo que o cotidiano muitas vezes nos arraste para outros lados."

TB: Conte um pouco do som do "Trompete", feito com um pente. Quais instrumentos além desse são utilizados nos Shows?

JP: "Tem muita coisa. O primeiro instrumento maluco que a gente incorporou foi o Wash Board, que é, como o próprio nome em inglês diz, uma tábua de lavar. O Casamarela pegou uma cadeira quebrada do Rayuela Bistrô, de madeira, e a gente passou um dia inteiro numa metalúrgica do setor de Indústrias Automotivas de Brasília construindo a chapa metálica ondulada que produz o som de percussão bluseria quando esfregada pelos dez dedos, devidamente vestidos com dedais de costuras. Depois, incorporamos sinos e afins, pregados nas laterais do shape de madeira, com a chapa de latão acoplada. A coisa foi tão bacana que rendeu uma grande reportagem da TV Record, que nenhum de nós nunca viu, mas que, dizem, foi genial!

Depois, veio o Diddley Bo construído pelo Cauê. Nada mais é do que uma corda de aço esticada entre dois pregos sobre um pau. Você desliza o slide sobre ele, produzindo um som primitivo e muito interessante. Sabemos que instrumentos como esse são afixados nos batentes de varandas de muitas casas rurais do Mississipi. O pessoal fica na varanda vendo a vida passar e tocando o Diddley Bo, enquanto entoa lamentos de todo tipo.

Por último, veio o "trompente", uma mistura, como o nome diz, de trompete com pente, que não é nada mais nada menos que um pente fino coberto com papel de seda, onde você produz um som formidável ao fazer os beiços tremelicarem com o papel no meio. O som é, realmente, muito bom. A coisa se presta a solos alucinantes!

Talvez eu pudesse falar também do violão dobro, que é totalmente confeccionado em latão, mas esse já é um instrumento industrializado, mesmo sendo raro no Brasil.TB: Existem planos para a produção de um material próprio?

JP: "Acho essas novas ferramentas, como os blogs e o Youtube, absolutamente fantásticas. Eu estou satisfeito com isso. Não preciso de mais material próprio, como você diz. Mesmo assim, está saindo por aí um DVD demo produzido por um amigo nosso e também acho que os demais colegas do quinteto talvez possam ter outros planos. Nesse caso, eu vou de carona. "

TB: Muito obrigado pela participação, deixo aqui um espaço para seus comentários finais.

JP: "Obrigado pelo interesse. Essa coisa de Blues Rural parece, mesmo, uma confraria de gente muito apaixonada, como você e como nós. É difícil, entretanto, fazer com que essa gente dispersa se reúna para um show ao vivo. Eu recebo emails de todos os cantos do Brasil, de pessoas saudando nossa iniciativa e lamentando que não haja coisas parecidas em suas cidades, em seus Estados. É uma pena porque, ao mesmo tempo, aqui em Brasília, uma banda como a nossa também não encontra muita oportunidade para tocar. Talvez fosse mais fácil se cada um de nós fosse tocar MPB sozinho, cada um para um lado, mas não é o que fazemos. Na verdade, na verdade, acho que, no fundo, dá no mesmo tocar sobre o palco ou na área de serviço lá em casa. O importante é que essa música não se perca dentro de quem toca ela. Esse é o Blues."


Leia mais:
- Black Cat Bone Blog

5 comentários:

JP Charleaux disse...

Fala, Roberto Terremoto! Só falta, agora, a gente fazer um show junto, pô! Quando eu estiver de volta a SP vou te procurar pra gente tocar qualquer coisa véia por aí. Obrigado pela força e um grande abraço.
joao

Anônimo disse...

Mas que surpresa mais agradável, passeando pelos blogs de blues que mais gosto me deparo com a Black Cat Bone em entrevista, e o João nem fala nada.

Que bom que uma simples reunião entres amigos, apaixonados pelo Delta Blues, que se conheceram através do blues, para tocar simplesmente um verdadeiro blues, tenha tomado apelo de banda e já figura entre os canais mais importantes, minha suspeita opinião, do gênero na rede brasileira.
Talvez pela carência que Brasília tem hoje de um blues sincero, a projeto obteve espaço na cidade e já pensa em dar saltos maiores.

Valeu pela força Roberto, espero que possamos, em breve, mostrar mais alguma coisa desse projeto.

Roberto Terremoto BluesMan disse...

Cauê,

Muito obrigado por incluir meu modesto Blog entre ses preferidos.

Foi uma alegria muito grande em publicar um artigo com a Black Cat Bone.

E saiba, se tiver bandas ou artístas competentes é só indicar que publico um artigo.

Muita Paz,
Terremoto

Unknown disse...

Grande trabalho da banda. Não apenas devido ao bom gosto musical como pela coragem ! Seria muito mais fácil tocar outras vertentes de blues do que o rural para conquistar mais público e espaço.
Parabéns a banda e ao Terremoto por acertar sempre na escolha do que publica.

abraços


Marcus Mikhail
www.bluesmasters.blogspot.com

Anônimo disse...

Blac Cat Bone
esse o o nome do blues, gostei tai. belo achado Robertão, temos q divulgar mais essa banda